A memória é traiçoeira e nem sempre joga a nosso favor.
Acho que deve de haver assim uma memória diabinho e outra anjinho como nos cartoons quando aparece a consciência boa e a perversa.
Existem aquelas recordações que são boas, outras que não são boas mas que nos ajudam a esquecer através da raiva e depois todas as outras que estão gravadas cá dentro e que fazem com que esquecer seja impossível, já que nem sequer consigo entender.
E a minha veio de uma conversa super banal com um colega de trabalho que nem faz a mais pálida ideia da dor que aquela conversa tão inocente acabou por despoletar.
Falávamos de sabores de café porque tanto ele como eu temos uma máquina da Nespresso, e ao dizer-me que tinham saído novos aromas café com bolacha e café com castanhas, lembrei-me de como me tinhas dado a experimentar café com cardamomo (especiaria).
E hoje ao passear na Fnac dei comigo a ver os pacotes das X-Files e os livros de culinária, bem como o livro que a tua filha te pediu para o Natal.
Ás vezes penso como é estranho que não nos encontremos na rua, afinal vivemos na mesma terra (que não é assim tão grande).
Confesso que tenho passado os últimos tempos a olhar por cima do ombro com receio de te encontrar. Deixei de frequentar o café onde íamos os dois; no entanto agora acho que gostava de te encontrar.
É que eu tenho esta mania de enfrentar tudo de frente.
Gostava de te olhar nos olhos.
Gostava de perceber.
Gostava de ver se irias fingir que não me conheces, e gostava saber o que iria sentir ao ver-te.
Infelizmente para mim não te tenho raiva, só muita mágoa.
Adoro esta música...
Hoje não devia estar aqui.
Devia estar enfiada dentro da minha cama com os cobertores puxados até às orelhas; dentro do meu casulo.
Estou triste, esgotada.
Nada parece fazer sentido.
O meu coração parece que vai explodir de tantas dores acumuladas.
Afinal ainda tenho lágrimas...
No outro dia li a seguinte frase "Até um grande guerreiro necessita do seu descanso"...
E tu foste na realidade uma grande guerreira.
Durante 94 anos foste muitas coisas, criança, menina, mulher, mãe.
Viveste em África, ainda me recordo das histórias que contavas das cobras que apareciam no quintal.
Criaste dois filhos e três netos.
Viste os teus filhos irem para o Ultramar e regressarem sãos e salvos.
Ficas-te viúva e tiveste o maior desgosto da tua vida quando os teus filhos se zangaram e o mais velho cortou relações com o irmão e contigo. Isso foi há quase 20 anos. Viveste estes últimos 20 anos da tua vida com a mágoa da ausência do teu filho.
Vinte anos é muito tempo. Tempo de mais. Orgulho de mais...
Pois hoje (e ontem) ele esteve presente.
Tu estavas disposta a perdoá-lo bastava que te tivesse ído visitar. Talvez não tenha tido coragem de te enfrentar. De enfrentar a mãe e a mulher que sempre foste. Justa e muito directa. Que nunca deixou nada por mãos alheias, nem nunca mandou recados.
É triste que aconteçam estas rupturas, e eu sempre sofri por ti avó; porque acho que uma mãe nunca deve conseguir conviver bem com uma ausência tão provocadoramente presente. Porque ele estava ali ao lado, porque passava na rua e não te dirigia palavra.
Nada devia ser maior que o Amor, mas muitas vezes o orgulho e a ganância são.
Espero que estejas em paz.
Sofreste muito e por fim o teu corpo cansado deixou de resistir.
Descansa agora avó. Mereces o teu eterno descanso.
Amar-te-ei sempre!
Custuma dizer-se que palavras leva-as o vento...
E é verdade, no entanto existem palavras que quando ditas magoam profundamente, outras que magoam pela sua ausência e outras tantas que nos fazem felizes.
É claro que o que acaba por contar são as acções, no entanto dou por mim a pensar em coisas que me disseram.
Palavras que apesar de verdadeiras, e talvez por isso mesmo me magoam e me entristecem.
Nada como colocar em palavras a realidade nua e crua, para acabar com as ilusões.
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